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Conflito sexual

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Conflito sexual ocorre quando os diferentes sexos da mesma espécie possuem estratégias de optimização da aptidão diferentes em relação à reprodução, levando a uma corrida armamentista evolutiva entre machos e fêmeas. Isso quer dizer que há uma divergência nos interesses genéticos entre os sexos, originada pelas diferenças na forma, tamanho e função dos gametas feminino e masculino, os quais resultam em investimentos de energia diferentes na reprodução de acordo com o sexo[1]; como machos produzem muitos gametas pequenos, o seu sucesso reprodutivo está ligado à fertilização do maior número de fêmeas possível, enquanto para as fêmeas, que produzem poucos gametas grandes, é mais vantajoso ser fertilizada pelo macho de melhor qualidade.

Tipos de conflito sexual

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O fato de que os sexos desempenham papéis distintos durante a reprodução leva a diferenças no comportamento, na fisiologia e na morfologia entre eles, e então, características ou atributos favorecidos em um sexo podem não ser os mesmos para o outro. Desta forma, haverá uma seleção sexual antagônica dessas características[2].

O conflito sexual pode ser classificado em dois tipos:

1)      Intraloco: quando uma característica é expressa nos dois sexos, porém em níveis ótimos diferentes[2] ;

2)      Interloco: quando há conflito entre os resultados de uma interação macho-fêmea[3]; este é o tipo mais frequente e estudado de conflito sexual.

O conflito sexual pode se originar pela avaliação entre fêmeas e machos dos custos e benefícios de se reproduzir, e nunca é resolvido por um ou por outro sexo, devido à coevolução ou corrida armamentista evolutiva entre eles. Pela divergência entre os resultados de uma interação macho-fêmea (ou seja, quando há conflito interloco) é esperado observar um conjunto de adaptações sexuais, interativas e antagônicas, nos dois sexos, que agem como uma maneira de resolver o conflito para o lado de quem porta aquelas adaptações[2][3][4]. Nesse processo interativo e dinâmico de coevolução, as características nos machos que representam adaptações para persistência interagem com características das fêmeas que representam adaptações para resistência, determinando o resultado de dada interação intersexual[5].

Exemplos de conflito sexual

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Alguns exemplos de características comportamentais e morfológicas representativas da divergência de interesses entre os sexos durante a reprodução são:

a)      Infanticídio: Como uma estratégia reprodutiva para machos, ocorre em grupos mistos estáveis em que há monopólio reprodutivo por poucos machos em curtos períodos [6]; os machos aumentam suas oportunidades de acasalamento ao matar filhotes de seus rivais para acelerar a receptividade das mães e logo, garantir que os novos filhotes gerados sejam sua prole[7]. Em contrapartida, fêmeas podem se tornar mais promíscuas como uma estratégia de diluição da certeza da paternidade e assim evitar o infanticídio pelos machos e a consequente redução do seu sucesso reprodutivo[6];

b)      Cópula forçada: ocorre quando machos de espécies em que não há cuidado paternal incrementam seu sucesso reprodutivo ao forçar fêmeas a copular, num contexto de baixa expectativa de vida dos machos ou de competição com outros machos para encontrar fêmeas o mais rápido possível[8]. Um maior tamanho corporal de fêmeas em primatas pode ser uma estratégia evolutiva selecionada para resistência à cópula forçada[9]

c)      Guarda de parceiro: ocorre quando um macho, ativamente, impede que outros machos tenham acesso à fêmea que ele fecunda, garantindo seu fitness. É comum em espécies com fertilização interna.

d)      Canibalismo sexual: ocorre quando um macho é devorado ao copular com uma fêmea. Ao atacar o macho, a fêmea pode estar realizando uma escolha do parceiro, ao devorar aquele de não muito boa qualidade, ao mesmo tempo que serve de alimento[10][11]. Por outro lado, o macho pode desenvolver mecanismos eficientes de fecundar a fêmea antes que seja devorado, ou ainda formas de escapar ileso, diminuindo o risco de ser canibalizado[12].

e)      Desenvolvimento de canais vaginais complexos: pode ser resultado da escolha críptica da fêmea. Neste caso, fêmeas podem dar preferência para fertilizar ovos com o sêmen de um macho de maior qualidade genética (ou que é um melhor estimulador) em detrimento de outro, com quem copularam anteriormente[13][14][15]. Pode também surgir da corrida armamentista evolutiva das fêmeas para controlar a fertilização, em resposta ao controle dos machos pela inseminação[16].

f)       Cuidado parental: machos e fêmeas entram em conflito pelas decisões relacionadas aos cuidados à prole pois cada um deles usualmente prefere que o outro provisione maior cuidado do que ele mesmo, tendo assim o menor custo possível com esta atividade dispendiosa[17]. Desta maneira, é possível observar a coevolução de características que maximizem a execução de cuidados parentais pelo outro sexo, e, em contrapartida, outras que representem mecanismos de resistência às manipulações no sexo explorado[1]

Referências

  1. a b Chapman, Tracey; Arnqvist, Göran; Bangham, Jenny; Rowe, Locke (2003). «Sexual conflict». Trends in Ecology & Evolution (em inglês). 18 (1): 41–47. ISSN 0169-5347. doi:10.1016/s0169-5347(02)00004-6 
  2. a b c Parker, George (1979). Sexual Selection and Reproductive Competition in Insects. [S.l.]: Academic Press 
  3. a b Rice, William R.; Holland, Brett (1997). «The Enemies within: Intergenomic Conflict, Interlocus Contest Evolution (ICE), and the Intraspecific Red Queen». Behavioral Ecology and Sociobiology. 41 (1): 1–10 
  4. Rowe, L. (1994). «The costs of mating and mate choice in water striders». Animal Behaviour 
  5. «Sexual Conflict». Princeton University Press. Consultado em 2 de junho de 2017 
  6. a b Lukas, Dieter; Huchard, Elise (14 de novembro de 2014). «The evolution of infanticide by males in mammalian societies». Science (em inglês). 346 (6211): 841–844. ISSN 0036-8075. PMID 25395534. doi:10.1126/science.1257226 
  7. Hrdy, Sarah Blaffer (1 de outubro de 1979). «Infanticide among animals: A review, classification, and examination of the implications for the reproductive strategies of females». Ethology and Sociobiology. 1 (1): 13–40. doi:10.1016/0162-3095(79)90004-9 
  8. CLUTTON-BROCK, T. H.; PARKER, G. A. (1 de maio de 1995). «Sexual coercion in animal societies». Animal Behaviour. 49 (5): 1345–1365. doi:10.1006/anbe.1995.0166 
  9. Smuts, B. (1993). «Male aggression and sexual coercion of females in nonhuman primates and other mammals: evidence and theoretical implications» (PDF). Advances in the Study of Behavior 
  10. Birkhead, T. R.; Lee, K. E.; Young, P. (1 de janeiro de 1988). «Sexual Cannibalism in the Praying Mantis Hierodula Membranacea». Behaviour. 106 (1): 112–118. ISSN 1568-539X. doi:10.1163/156853988x00115 
  11. Elgar, Mark A.; Schneider, Jutta M.; Herberstein, Marie E. (7 de dezembro de 2000). «Female control of paternity in the sexually cannibalistic spider Argiope keyserlingi». Proceedings of the Royal Society of London B: Biological Sciences (em inglês). 267 (1460): 2439–2443. ISSN 0962-8452. PMID 11133035. doi:10.1098/rspb.2000.1303 
  12. Schneider, Jutta M.; Lubin, Yael (1998). «Intersexual Conflict in Spiders». Oikos. 83 (3): 496–506. doi:10.2307/3546677 
  13. «Sexual Selection and Animal Genitalia — William G. Eberhard | Harvard University Press». www.hup.harvard.edu (em inglês). Consultado em 2 de junho de 2017 
  14. Hosken, David J.; Stockley, Paula (1 de fevereiro de 2004). «Sexual selection and genital evolution». Trends in Ecology & Evolution (em inglês). 19 (2): 87–93. ISSN 0169-5347. doi:10.1016/j.tree.2003.11.012 
  15. Brennan, Patricia L. R.; Prum, Richard O.; McCracken, Kevin G.; Sorenson, Michael D.; Wilson, Robert E.; Birkhead, Tim R. (2 de maio de 2007). «Coevolution of Male and Female Genital Morphology in Waterfowl». PLOS ONE. 2 (5): e418. ISSN 1932-6203. PMID 17476339. doi:10.1371/journal.pone.0000418 
  16. Arnqvist & Rowe, Goran Locke (2002). «Correlated evolution of male and female morphologies in water striders». Evolution 
  17. Westneat, David F.; Craig Sargent, R. (1 de fevereiro de 1996). «Sex and parenting: the effects of sexual conflict and parentage on parental strategies». Trends in Ecology & Evolution. 11 (2): 87–91. doi:10.1016/0169-5347(96)81049-4 
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